
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, votou nesta segunda-feira pela inconstitucionalidade da tese do marco temporal, que impõe restrições às demarcações de terras indígenas e busca reavaliar áreas reconhecidas desde a promulgação da Constituição de 1988. O voto foi apresentado no julgamento, em plenário virtual, de ações que questionam a lei aprovada pelo Congresso Nacional em 2023.
Segundo o ministro, a norma contraria entendimento já consolidado pelo próprio STF no mesmo ano de sua aprovação. Na ocasião, a Corte decidiu que o direito dos povos indígenas às terras tradicionalmente ocupadas não depende da comprovação de posse em uma data específica, afastando a ideia de um marco temporal fixo.
Gilmar Mendes também afirmou que a lei viola compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, especialmente a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Para ele, o critério estabelecido ignora expulsões, deslocamentos forçados e outras formas históricas de violência sofridas por comunidades indígenas ao longo do processo de ocupação territorial do país.
No voto, o ministro classificou a regra como desproporcional e geradora de insegurança jurídica. Ele destacou que a exigência de comprovação de ocupação em 5 de outubro de 1988 impõe um ônus probatório quase impossível para povos que não dispõem de registros documentais formais, além de reabrir conflitos fundiários que deveriam estar pacificados.
Gilmar também apontou uma omissão inconstitucional do Estado brasileiro ao lembrar que a Constituição determinou a conclusão das demarcações indígenas em até cinco anos após 1988, prazo que jamais foi cumprido. Defendeu que a União seja obrigada a finalizar os processos pendentes em até dez anos e considerou inconstitucional a proibição de ampliação de terras já demarcadas quando houver erro ou insuficiência na delimitação original.
O ministro ainda se manifestou favoravelmente à homologação da proposta elaborada por uma comissão especial de conciliação criada no STF, após 23 audiências com indígenas, produtores rurais e autoridades públicas. Para ele, o texto pode servir de base para um debate legislativo mais equilibrado no Congresso, mesmo diante da estratégia do Senado, liderado por Davi Alcolumbre, de constitucionalizar o marco temporal por meio de uma PEC já aprovada na Casa e ainda pendente de análise na Câmara.



