
Há em mim um desconforto que se intensifica a cada bomba lançada sobre Gaza, a cada criança soterrada em escombros, a cada família desfeita por armas que se dizem defensivas.
É o tipo de desconforto que não se resolve com manchetes nem com versículos lançados como escudos.
Porque ecoa um dilema maior: como reconciliar o amor pelo povo da Aliança com a repulsa às ações de seu governo? Como orar por Jerusalém sem compactuar com o sangue derramado em seu nome?
É que me pergunto, com temor e com sede de verdade: É pecado desejar que o mundo se levante contra as injustiças cometidas pelo Estado de Israel?
Será que minha alma se opõe a Deus por não aceitar o sofrimento infligido aos palestinos?
Ou será que, justamente por crer, não posso me calar?
I. Quando o nome carrega o peso da promessa Israel.
Um nome que, nas Escrituras, é símbolo de aliança, promessa, bênção e luta com Deus.
Mas também é símbolo de queda, de desobediência, de correção.
Desde 1948, esse nome volta ao cenário geopolítico como Estado-nação, erguido sobre o trauma do Holocausto, mas também sobre a Nakba palestina, duas narrativas que clamam por reconhecimento.
Mas é preciso lembrar: o Israel moderno é um ente político, militar, diplomático, com governos e interesses próprios, não o mesmo povo que atravessou o deserto com Moisés, nem o que cantou salmos no exílio babilônico.
Confundir ambos é arriscado. E é essa confusão que muitas vezes cala vozes críticas sob o peso de culpa religiosa.
II. O Deus dos profetas não se cala diante da injustiça
Na Bíblia, Deus nunca foi cúmplice da opressão, nem mesmo quando quem a cometia era Seu povo escolhido.
“Quando estendeis as mãos, escondo de vós os olhos... Lavai-vos, purificai-vos; tirai a maldade dos vossos atos.” (Isaías 1:15-16)
“Odeio as vossas festas, não me dão prazer... Corra, porém, o juízo como as águas, e a justiça como um ribeiro perene.” (Amós 5:21-24)
Deus não aceita cultos como compensação por violência. Ele exige justiça.
Exige que o estrangeiro seja acolhido, o órfão protegido, o pobre respeitado.
A fidelidade a Deus, portanto, não é apoio cego a um Estado, mas adesão à justiça.
Mesmo, e talvez especialmente, quando ela nos obriga a desafiar estruturas religiosas ou políticas.
III. Profecias, manipulação e silêncio cúmplice
Alguns argumentam que os sofrimentos atuais fazem parte de um cenário profético.
Apontam para Gogue e Magogue (Ezequiel 38–39), o cerco a Jerusalém (Zacarias 12 e 14), ou Armagedom (Apocalipse 16). Dizem que o mundo se voltará contra Israel, e que quem se opõe ao Estado de Israel hoje, se opõe a Deus. Mas essa leitura ignora o contexto essencial: "Essas profecias falam de realidades espirituais e cósmicas, não de manuais geopolíticos. Usá-las para legitimar sofrimento humano é distorcer sua essência: um chamado ao arrependimento, não à arrogância."
Além disso, usar a Bíblia como justificativa para silenciar a denúncia de crimes de guerra é um tipo de idolatria: transforma a Escritura em escudo para a impunidade. Deus não chama para a omissão. Ele chama para o discernimento.
IV. Justiça sem ódio: o lugar da consciência Meu coração clama por justiça.
E clamar por justiça não é desejar extermínio, nem defender vingança. É desejar que o ciclo de opressão seja interrompido, venha de onde vier. É querer que as bombas cessem, que as crianças vivam, que os gritos de agonia sejam escutados sem o filtro da ideologia ou do mito. Ser contra o massacre de civis palestinos não é antissemitismo, é exigir que um Estado, qualquer Estado, respeite o Direito Internacional e a imagem de Deus no ser humano. É ser sensível à dor que atravessa a pele e a bandeira. É honrar os profetas, que sempre foram mais leais a Deus do que ao rei.
V. Um clamor orante
E quando a dor tenta se transformar em ódio, volto à oração: que meu coração não endureça, que a revolta não me torne semelhante ao opressor, que a compaixão me guie, mesmo quando for mais fácil silenciar.
E digo a Deus: "Se for contra Ti desejar justiça para Gaza, então chama-me ao arrependimento. Mas se meu clamor ecoa os gritos dos Teus profetas, que minha voz se una à Tua, mesmo que isso me custe o silêncio dos templos."
Conclusão
Não me levanto contra Israel, me levanto contra a injustiça. E se há profecias que se cumprem diante dos nossos olhos, que eu as veja com olhos puros. Não para me alegrar com destruições, mas para que eu nunca troque a verdade pela conveniência. Porque Deus não está onde impera o poder, mas está onde está onde floresce a justiça.
E esta justiça exige mais do que oração: exige que nossas vozes pressionem por cessar-fogo imediato, fim do bloqueio a Gaza, e uma solução que honre a dignidade de israelenses e palestinos.
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Érico Santos é Formador Político, com ampla atuação partidária , coordenador núcleos partidários no agreste meridional. Atuou na coordenação de campanhas estadual e municipais em Pernambuco, Fundou e presidiu Ongs no Brasil e na Espanha.